30 de abril de 2015

Autoridades

Dos meus tempos de estágio, guardo um profundo respeito pela profissão de juíz. Nem sei se é justo chamar-lhe profissão. É uma entrega de vida. Recordo-me de, muitas vezes, passar em frente ao tribunal da minha terra – já de noite – e de ver a luz do gabinete de uma das juízas sempre acesa. Lá estava ela, noite dentro, mergulhada nas torres de processos. Tanta sabedoria, tanta integridade, tanta autoridade – era assim que eu olhava para aquelas mulheres. Quase sobre-humanas. 'Certamente não fazem mais nada para além disto' - pensava eu muitas vezes - 'nem devem ter tempo para ter uma família.' Somente uma pessoa nessas circunstâncias poderia abraçar uma carreira daquelas - achava eu. Mas, houve um dia, em que mudei toda a minha perspetiva acerca disto. Estávamos numa audiência de julgamento (longa e aborrecida), na rua já era de noite e não havia meio da sessão acabar. De repente, notámos que toda a gente se estava a virar para trás. Um silêncio absoluto tomou conta da sala. Só se ouviam os passinhos de um menino, talvez com uns 4 anos, muito lindinho, cheio de caracóis, que caminhava pelo corredor lateral em direção à cadeira da juíza. Olho para ela e vejo uma expressão que nunca lhe tinha conhecido antes: um sorriso doce e emocionado, acompanhado de um olhar repleto de amor por aquela criança. Atrás do menino apareceu depois alguém (talvez uma empregada ou uma avó, já não me recordo) a tentar agarrá-lo, mas já não chegou a tempo. A criança parou mesmo ao lado da juíza e disse bem alto: “- Mãe, quero pão!” Uma gargalhada geral tomou conta do tribunal. O filho da juíza tinha fome e com razão! Afinal de contas, aquela mulher era igual a tantas outras mulheres, com as mesmas lutas e desafios. Apenas tinha sido designada para ocupar um lugar de muita responsabilidade na sociedade. Mas, em si mesma, era humana e sujeita às mesmas lutas que todas nós. A sua autoridade estava, não em si, mas nas funções que desempenhava. Um episódio que nunca esquecerei e que me faz ter bem presente a necessidade de orar pelos que ocupam cargos de autoridade e liderança. Que Deus os fortaleça com sabedoria.

24 de abril de 2015

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O jantar estava pronto, chamo-os para a mesa e vejo-os dirigirem-se para a mesa sem lavar as mãos. Digo-lhes para lavarem as mãos primeiro.
Miguel: “- Lavar mãos outra vez! Mas porque é que temos de estar sempre a lavar as mãos?”
Eu: “- Olha Miguel, ainda há dias li um artigo na revista da Deco sobre a importância de lavar as mãos. Nem imaginas a quantidade de bicharocos que andam nas nossas mãos e que nos podem fazer ficar doentes. Até vestígios de fezes podem andar nas nossas mãos. É terrível!”
Miguel, com um ar incrédulo, diz do alto dos seus 9 anos: “- Mamã, tu não podes acreditar em tudo o que lês!”

Mente futebolística

Pediatra: “- O que é que vestes quando faz frio?”
Tomás: “- Um casaco!”
Pediatra: “- E quando chove?”
Tomás: “- Ponho o capuz.”
Pediatra: “- Só o capuz? Não usas mais nada? (silêncio…) “ Vou dar-te uma ajuda… o guarda-…”
Tomás, com os olhos muito abertos e um sorriso de quem já descobriu a resposta a dar, diz muito depressa: "- o Guarda-Redes!"

21 de abril de 2015


Tenho uma colega de trabalho (na verdade, é mais do que isso, ela é minha amiga) que, de vez em quando, recebe no trabalho uma encomenda da mãe (que vive nos Açores). Como aconteceu hoje, por exemplo. O carteiro trouxe um caixote até grandinho, com lembranças para ela e, principalmente, para a sua filha de 9 anos. Recebeu um caixote cheio de amor. Cheio de saudade. E sempre que vejo aqueles caixotes, sorrio para ela (alegrando-me com ela) e depois, inevitavelmente, escondo-me atrás do ecrã do meu computador, procurando dominar a minha emoção e segurar as lágrimas que começam a querer escapar-me. Também eu recebi várias encomendas como aquela. E recebia-as sempre com tanta alegria. Traziam pequenos brinquedos do IKEA, peças de roupa para os meus filhos, chocolates do Lidl, cortinas com bainhas feitas pela minha mãe, ou o jornal da minha terra… Traziam aconchego. Traziam amor de mãe. Recordo um casaquinho de malha muito pequenino, azul claro – lindíssimo - que veio numa dessas encomendas, durante a minha segunda gravidez. A minha mãe achava que eu ía ter outro rapaz (ela gostava de apostar e achava que acertava sempre). Mas veio a Mariana e todo o seu mundo era cor-de-rosa. Tive sempre pena de não ter usado aquele casaquinho muitas vezes, até que soube que ía ter o Tomás. Quando ele nasceu, vesti-lho logo e ficava-lhe um brinco, como se vê na foto. Depois do Tomás nascer, foi tudo tão rápido... Apenas um ano e a minha mãe não estava mais entre nós. Sinto sempre muitas saudades da minha mãe. Não são saudades desesperadas. São saudades consoladas pela certeza de um reencontro, no Céu. Mas, ainda assim, são saudades. Saudades da minha querida mãe.

13 de abril de 2015

Dar contas

Naquele dia, quando espreitei para dentro da sala de audiências para ver qual o julgamento que ía ali decorrer, tive uma grande surpresa. O advogado de defesa era alguém muito conhecido. Na minha memória ainda estava bem presente a sua participação num programa de televisão sobre casos de polícia. Depois de lhe terem dito que estava ali uma estagiária, fez-me sinal para que me sentasse ao seu lado. Envergonhadíssima, sentei-me ao lado do senhor (os estagiários costumam sentar-se ao lado dos advogados, para aprender) e fiquei à espera de o ver entrar em ação, defendendo o seu cliente com toda a garra. O arguido era bancário e estava a ser acusado de ter desviado dinheiro de clientes do banco para a sua própria conta. O julgamento ía decorrendo e... nada. Silêncio absoluto. Vinha uma testemunha, depois vinha outra e o advogado sempre em silêncio. Davam-lhe a palavra e ele dizia nada ter a perguntar. Eu, na minha inexperiência, estava a achar aquilo tudo muito estranho. "Será que ele não se importa que o seu cliente vá parar à cadeia?" - começava eu a pensar. Foi nessa altura que o famoso advogado se inclinou para mim e sussurrou: "A estratégia é esta: quem acusa é que tem de provar. Por isso, vamos remeter-nos ao silêncio e só falaremos se for necessário." Eu já sabia que 'o tolo, estando calado, passa por sábio', mas naquele dia aprendi que, para a justiça humana, o acusado calado poderá vir a passar por inocente (ainda que não o seja). Depois desse dia, vi muitos "calados" acabarem absolvidos, por falta de prova. Pois o juiz humano não é omnisciente. E assim vai o mundo. Vive-se sem dar contas a ninguém. Esquecem-se os homens de que Deus vê todas as nossas obras, até as mais negras. Até os nossos pensamentos. Esquecem-se os homens de que um dia todos estaremos perante Deus, o Criador da vida. E o silêncio de nada aproveitará. Deus tudo conhece. Esta perspetiva deve estar sempre bem presente nos nossos corações: eu tenho de dar contas a Deus. As notícias terríveis que todos os dias enchem os jornais passam muito pela perda desta perspetiva. Não há temor nos corações. Não há auto-domínio. Ninguém dá contas a ninguém. Deus tenha misericórdia da rebeldia dos homens. E que esses corações possam voltar-se, contritos, para o Grande Deus, supremo Juíz.