15 de fevereiro de 2016

Um homem ocupado

Chamo pelo meu filho mais novo, que andava a correr de um lado para o outro nas suas brincadeiras imaginárias, e peço-lhe que me traga umas roupas que estavam no seu quarto, para eu meter na máquina de lavar. Obedece prontamente. Agradeço-lhe a colaboração e ele responde-me,  em tom de aviso, como que justificando as suas muitas ocupações: "Agora não me peças mais nada, vou ter uma luta de espadas e a seguir vou cortar árvores!"

3 de fevereiro de 2016

Avó Jacinta

Cresci a ouvir dizer que era parecida com a minha avó Jacinta (por causa das feições, principalmente o nariz de ponta arrebitada). Confesso que nunca percebi bem porque é que toda a gente dizia isso (apesar de gostar muito da ideia, pois ela era bonita e sempre muito bem arranjada), até ao dia em que vi um retrato, a preto e branco, que lhe tiraram na juventude, na parede da sua casa de França. Lembro-me de ficar a olhar para aquele retrato e de reconhecer muito de mim naqueles traços. A partir daí, dei o assunto por encerrado. A minha avó era uma mulher muito sensível, mas muito forte também. Foi costureira e catequista, numa pequena aldeia do Ribatejo, mas um dia falaram-lhe do Evangelho e converteu-se, bem como o meu avô e boa parte da família. Por causa disso, sofreram perseguição. Isto há 70 anos atrás, outros tempos. Teve uma filha e cinco filhos, um deles o meu pai. A dada altura, a família emigrou para França, como tantos outros portugueses naquele tempo, em busca de uma vida melhor. Trabalharam muito e continuaram sempre fieis a Deus, servindo na igreja de língua portuguesa. Porém, o meu avô, homem fiel a Deus, acabou por partir para o Senhor ainda muito novo, na sequência de uma indisposição súbita no trabalho. A minha avó ficou só, "tão cedo" - dizia ela muitas vezes. Mas, seguiu em frente e foi uma verdadeira matriarca, unificadora e apaziguadora. 
Para mim, a minha avó representava, acima de tudo, afeto. Sempre que estava com ela, nas férias de verão, recebia injeções de amor, em doses industriais. Beijos, muitos beijos (ela dava muitos beijinhos repenicados seguidos, sem parar). Recebia tantos miminhos bons, tantas atenções. E todo este afeto teve uma importância muito grande na minha vida (posso avaliar agora), contribuindo para o meu equilíbrio emocional. As avós podem ter um papel muito importante e compensador. Apesar de termos vivido em países diferentes, foi sempre uma avó presente. Recordo as cartas que escrevíamos, os telefonemas, as confidências. Recordo as férias que passámos juntas, os presentes (todos os anos, ganhava uma camisa de dormir), os chocolates franceses, os lanches na pastelaria e as histórias (a minha avó perdia-se por uma boa história de amor). Recordo também o seu grande sentido de humor (que o meu pai herdou). Era uma mulher simples, mas esclarecida, dada à leitura e muito educada. Toda a gente gostava da minha avó. E eu amava-a muito. Ela tinha agora quase 92 anos e eu sabia que estava avançada em dias, por isso eu temia. Mas, finalmente, agora está com o seu Senhor. Agradeço muito a Deus pela sua vida e por todo o amor que distribuiu por tanta gente. Era o amor de Jesus nela.  Ficam as memórias e o seu precioso testemunho de fé. Até um dia, avozinha.